quinta-feira, fevereiro 24

Pós-operatório

Ela teve um caso com um médico. Um cirurgião plástico conceituadíssimo da capital. Num almoço entre amigas, era esse o babado:
- Mas me conta, Simone. Como vocês se conheceram?
- Foi durante a rinoplastia. Era para ser o Dr. Cláudio, mas ele teve um acidente doméstico e não pôde operar. Aí veio ele. Luvas e máscara brancas. Um zorro com especialização em cirurgia plástica.
Suspiros:
- Antes da anestesia eu ainda pude ouvir ele dizer: "vai ficar ainda mais linda"...dá pra acreditar?
Novos suspiros:
- E como aconteceu?
- Ai, foi cinematográfico. Foi no pós-operatório, quando tirei as ataduras. Ele olhou para mim e disse que eu estava perfeita. Tocou o meu nariz de uma maneira tão sensual...tão sexual...E vocês entendem, não é? Aquela parte do meu corpo estava tão sensibilizada pelo trauma sofrido na semana anterior, que eu simplesmente não resisti. Pulei nos braços dele e fizemos ali mesmo, sobre a mesa do consultório dele.
As amigas se olhavam entre risinhos, até que uma arriscou:
- Mas ele era casado amiga!
- É, ele era.
- E a esposa?
- Soube que voltou para ela, que não poderia viver sem a songa-monga. Mas eu já tenho um plano. Vou fazer um facelift na semana que vem. É a única maneira de nos encontrarmos depois que ele me proibiu de frequentar o consultório dele.
- Mas você não precisa de outra cirurgia, Simone.
- Mas eu preciso dele, vocês me entendem? Vou enlouquecer se eu não me encontrar com aquele homem novamente.
- E você acha que vai dar certo?
- Sei que sim. Ele me ama.
- Não. A cirurgia. Você acha que vai dar certo?
- Ah, não sei. Isso não importa muito. Se não funcionar, marco uma otoplastia. Sempre precisei mesmo. Desde criança. De qualquer maneira, ele vai olhar para mim. Eu sei que vai.
- Com tantas cirurgias, todo mundo vai olhar para você. Pode apostar.
- E se isso não funcionar, já pensei até numa blefaroplastia ou numa mentoplastia.
- Amiga, você vai deformar o seu rostio só para reconquistar esse homem. Será que vale a pena?
- Vale tudo no amor.
Alguns meses depois, as amigas marcam um almoço. No restaurante, enquanto duas esperavam, senta-se à mesa uma mulher desconhecida:
- Desculpe, mas essa mesa já está ocupada.
- Meninas, sou eu, a Simone.
- Simone??
- Sim. Será que eu estou tão diferente assim?
- Simone, você está irreconhecível.
- Pois é.
- Fez todas aquelas cirurgias?
- Fiz.
- E então?
- Depois do facelift, a gente ficou junto por duas semanas inteiras em PAris. Fizemos amor olhando a Torre Eifel. Com a otoplastia, durou apenas uma semana, mas fomos para a Itália e trocamos juras de amor na Casa da Julieta. Foi lindo... Depois da blefaroplastia é que ele foi parecendo cada vez mais distante. Nada de viagens. Uma noite de sexo e mais nada.
- E agora, amiga?
- Ainda tentei uma mentoplastia.
- E...?
- Ele não quis nem me beijar. Olhou fundo nos meus olhos, encarou meu rosto por alguns segundos e depois perguntou qual era o meu nome.

Força

"A força não provém da capacidade física, e sim de uma vontade indomável."

Gandhi

Ajuda

"Ajuda o teu semelhante a levantar a carga, mas não a levá-la até o destino."

Pitágoras

Silêncio

"O silêmcio, tal como a modéstia, ajuda muito em uma conversação."

M. de Montaigne

segunda-feira, janeiro 10

" Amar outro ser humano é, talvez, a tarefa mais difícil que a nós foi confiada; a obra para a qual todas as outras não passam de mera preparação".
" A originalidade é impossível. No máximo, podemos variar muito ligeiramente o passado, dar-lhe um novo matiz, uma nova entonação."


Jorge Luís Borges - Escritor argentino

Olhar do Outro

Um intelectual americano deixa a cidade e se estabelece na montanha. O inverno chega e ele ignora a quantidade de madeira que deve cortar para se aquecer. Como saber se este ano o inverno será rigoroso? Numa cidadezinha perto, dizem que lá no topo da montanha vive, num tonel, um sábio indiano que sempre sabe o quão rigoroso será o inverno. O intelectual corta a madeira para aquecer sua família, mas, não sabendo quando parar, resolve fazer a pé este muito longo, este fatigante caminho de subida até o tonel onde vive o indiano. Ele o cumprimenta e lhe pergunta: "Amigo vidente, o inverno será duro?" O indiano olha em direção da planície onde o intelectual se estabeleceu e lhe responde: "Inverno será duro".
O intelectual retorna a sua casa e corta muita madeira. Mas eis que lhe surge uma dúvida, uma dúvida quase filosófica. Isso é suficiente? Ele pode parar? Então, ele se conforma a refazer o longo e estafante caminho que leva ao indiano. Encontra-o agachado em seu tonel e lhe pergunta: "Amigo vidente, o inverno será duro mesmo?" O indiano olha em direção à planície onde o intelectual se estabeleceu e lhe responde: "Inverno será muito duro".
O intelectual volta para sua casa e corta uma enorme quantidade de madeira. Mas a dúvida novamente o assola, a dúvida filosófica. Será o suficiente? Ele submete-se a refazer o longo e cansativo caminho que leva ao indiano. Encontra-o dormindo e o acorda: "Amigo vidente, o inverno será duro?" O indiano olha em direção à planície onde o intelectual se estabeleceu e lhe responde: "Inverno será muito duro, muito duro". Então o intelectual pergunta ao indiano: "Mas como sabes isso?" E o indiano lhe responde: "Quando  branco cortar muita madeira, inverno muito duro".
Um jornalista, ao começar a escrever um artigo sobre a arma nuclear iraniana, bate à porta de um diplomata, a fim de obter algumas informações sobre as concepções de seu país em relação ao assunto.
"Amigo diplomata, a situação é inquietante?"
"Situação muito inquietante".
"Mas como sabes disso?"
"Quando jornalista encontrar diplomata para escrever sobre o Irã, situação muito inquietante."
O diplomata pede ao jornalista para não citá-lo. O site WikiLeaks, que nos oferece todos os dias uma excelente revista de imprensa, se encarregará disso.




Ronan Pringent