quinta-feira, fevereiro 24

Tempo

O tempo sempre escorrega por entre o meus dedos. Os dias, as semanas, os anos escapam sem que eu os perceba. Quando dou por mim, lá se foi a infância, quando dou por mim, já não restou nada da adolescência. E as horas se esvaem enquanto aprendo a ser adulta. E nem mesmo há tempo para assimilar as aprendizagens.
Quando eu era criança, sempre quis ter dezoito anos de idade. Na minha concepção, ter dezoito seria conquistar o grau máximo de liberdade. Com essa idade eu poderia ter um namorado.Com essa idade, eu até poderia colocar meu desajeitado corpo num vestido. Com essa idade, eu poderia assitir a todos shows, principalmente U2 e Simple Red, Rolling Stones...
Num piscar de olhos, fiz dezoito anos. Foi então que descobri o quanto ainda era infantil para namorar. Eu ainda não gostava de usar vestidos, parecia desajeitada demais dentro deles. Eu tinha vontade de assistir a vários shows. Fazer dezoito não me pareceu em nada com o que eu imaginava. Não foi o máximo.
Quanto à liberdade, quem inventou que ela existe? Eu sabia o que eu queria: Avançar no tempo. Ir para a aeronáutica para ser piloto de caças. E ser logo adulta. Assim eu seria realmente independente.
A melhor coisa em ser adulta? Descobrir que não existe independência porque o tempo é eterno. E o tempo aprisiona. A independência é uma decisão, um estado de espírito. A liberdade, como a concebemos, é uma ilusão, pois não é possível. Sempre seremos ligados à natureza ao redor. Depois do cordão umbilical, os pulmões...Depois dos pais, os filhos...Depois do terreno, o espiritual... Ter liberdade é compreender a perene dependência entre os seres e os tempos e aceitá-la.
Ainda me sinto infantil(sou egoísta) num relacionamento, mas já me sinto mais a vontade dentro de um vestido.
Será preciso romper a dependência com a minha infância e adolescência? Será possível rompê-la? Como cortar uma planta pela raiz e, ainda assim, mantê-la inteira? Agora, nesse corpo e nesse tempo adulto, rememoro a infância e adolescência e percebo que elas ainda estão em mim. Sou uma mistura. Sou uma criança, adolescente, adulta e já um pouco velha.
O tempo sempre escorrega por entre os meus dedos quando tento compreendê-lo. Os dias, as semanas, os anos escpam quando não percebo que estão todos aqui, em mim, simultaneamente. Quando dou por mim, aqui está a infância; quando dou por mim, ainda sou uma adolescente. E enquanto aprendo a ser adula, vou assimilando que alguém inventou dividir a vida em fases. Mas no fundo somos, ao mesmo tempo, tudo o que fomos, o que somos e o que seremos.

Pós-operatório

Ela teve um caso com um médico. Um cirurgião plástico conceituadíssimo da capital. Num almoço entre amigas, era esse o babado:
- Mas me conta, Simone. Como vocês se conheceram?
- Foi durante a rinoplastia. Era para ser o Dr. Cláudio, mas ele teve um acidente doméstico e não pôde operar. Aí veio ele. Luvas e máscara brancas. Um zorro com especialização em cirurgia plástica.
Suspiros:
- Antes da anestesia eu ainda pude ouvir ele dizer: "vai ficar ainda mais linda"...dá pra acreditar?
Novos suspiros:
- E como aconteceu?
- Ai, foi cinematográfico. Foi no pós-operatório, quando tirei as ataduras. Ele olhou para mim e disse que eu estava perfeita. Tocou o meu nariz de uma maneira tão sensual...tão sexual...E vocês entendem, não é? Aquela parte do meu corpo estava tão sensibilizada pelo trauma sofrido na semana anterior, que eu simplesmente não resisti. Pulei nos braços dele e fizemos ali mesmo, sobre a mesa do consultório dele.
As amigas se olhavam entre risinhos, até que uma arriscou:
- Mas ele era casado amiga!
- É, ele era.
- E a esposa?
- Soube que voltou para ela, que não poderia viver sem a songa-monga. Mas eu já tenho um plano. Vou fazer um facelift na semana que vem. É a única maneira de nos encontrarmos depois que ele me proibiu de frequentar o consultório dele.
- Mas você não precisa de outra cirurgia, Simone.
- Mas eu preciso dele, vocês me entendem? Vou enlouquecer se eu não me encontrar com aquele homem novamente.
- E você acha que vai dar certo?
- Sei que sim. Ele me ama.
- Não. A cirurgia. Você acha que vai dar certo?
- Ah, não sei. Isso não importa muito. Se não funcionar, marco uma otoplastia. Sempre precisei mesmo. Desde criança. De qualquer maneira, ele vai olhar para mim. Eu sei que vai.
- Com tantas cirurgias, todo mundo vai olhar para você. Pode apostar.
- E se isso não funcionar, já pensei até numa blefaroplastia ou numa mentoplastia.
- Amiga, você vai deformar o seu rostio só para reconquistar esse homem. Será que vale a pena?
- Vale tudo no amor.
Alguns meses depois, as amigas marcam um almoço. No restaurante, enquanto duas esperavam, senta-se à mesa uma mulher desconhecida:
- Desculpe, mas essa mesa já está ocupada.
- Meninas, sou eu, a Simone.
- Simone??
- Sim. Será que eu estou tão diferente assim?
- Simone, você está irreconhecível.
- Pois é.
- Fez todas aquelas cirurgias?
- Fiz.
- E então?
- Depois do facelift, a gente ficou junto por duas semanas inteiras em PAris. Fizemos amor olhando a Torre Eifel. Com a otoplastia, durou apenas uma semana, mas fomos para a Itália e trocamos juras de amor na Casa da Julieta. Foi lindo... Depois da blefaroplastia é que ele foi parecendo cada vez mais distante. Nada de viagens. Uma noite de sexo e mais nada.
- E agora, amiga?
- Ainda tentei uma mentoplastia.
- E...?
- Ele não quis nem me beijar. Olhou fundo nos meus olhos, encarou meu rosto por alguns segundos e depois perguntou qual era o meu nome.

Força

"A força não provém da capacidade física, e sim de uma vontade indomável."

Gandhi

Ajuda

"Ajuda o teu semelhante a levantar a carga, mas não a levá-la até o destino."

Pitágoras

Silêncio

"O silêmcio, tal como a modéstia, ajuda muito em uma conversação."

M. de Montaigne