sexta-feira, junho 11

Domingo

"Alguns guardam o domingo indo a igreja - 
Eu o guardo ficando em casa
Tendo um sabiá como cantor
E um pomar por santuário.

Alguns guardam o domingo em vestes brancas - 
Mas eu só uso minhas asas
E ao invés do repicar dos sinos na igreja
É Deus que está pregando.

Pregador admirável
E o seu sermão é sempre curto.
Assim ao invés de chegar ao céu, só no final
Eu o encontro o tempo todo no meu quintal".


Drumond

De Tanto Amor

De tanto amor minha vida se vestiu de violeta
e fui de rumo em rumo como as aves cegas
até chegar a tua janela, amiga minha:
tu sentiste um rumor de coração quebrado

e ali da escuridão me levantei a teu peito,
sem ser e sem saber fui à torre do trigo,
surgi para viver entre tuas mãos,
me levantei do mar a tua alegria.

Ninguém pode contar o que te devo, é lúcido
o que te devo, amor, e é como uma raiz
natal de Araucânia, o que te devo, amada.

É sem dúvida estrelado tudo o que te devo,
o que te devo é como o poço de uma zona silvestre
onde guardou o tempo relâmpagos errantes.


Pablo Neruda

terça-feira, junho 8

Tenho Fome

TENHO fome de tua boca, de tua voz, de teu pêlo,
e pelas ruas vou sem nutrir-me, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra,
busco o som líquido de teus pés no dia.

Estou faminto de teu riso resvalado,
de tuas mãos cor de furioso celeiro,
tenho fome da pálida pedra de tuas unhas,
quero comer tua pele como uma intacta amêndoa.

Quero comer o raio queimado em tua beleza,
o nariz soberano do arrogante rosto,
quero comer a sombra fugaz de tuas pestanas

e faminto venho e vou olfateando o crepúsculo
buscando-te, buscando teu coração ardente
como um puma na solidão de Quitratúe.



Extraído do livro: Cem Sonetos de Amor - Pablo Neruda

domingo, junho 6

Poema do Reencontro

Quando os amantes se separam, deveriam
Ser confinados em galáxias incomunáveis
Até cicatrizar o corte do Adeus.

O reencontro sangra.

Qual felinos, deveríamos demarcar nosso território,
Urinando rancor e saudade, nos ramos de nossa solidão.

A secura do deserto, se instaura na garganta.
E dos olhos saltam as sete quedas do desconsolo.
O algodão das nuvens que passam, ameniza o padecimento.
Um dia seremos competentes para sorrir de nosso soluço,
E lembrarmos a noite em que quebramos o pé da cama.

Mas existe um álbum de retratos.
Fecho os olhos, e o mar me alcança teu corpo dourado.
Os galos da aurora começam a ciscar os pátios da noite.
O amor em nós resiste, qual folhagem entre pedras.

Partes.
A quietude se estabelece sobre a casa dos sonhos desfeitos.
É preciso retirar as árvores tombadas de sobre os fios da memória
E consertar o telhado avariado pelos vendavais.

Que os anjos protejam nossa despedida...
A noite não deseja vir, a fim de que você não possa vir e eu não possa ir...
Mas você virá, com sua lígua queimada pela chuva salgada.
O dia não deseja vir, a fim de que você não possa vir e eu não possa ir...
Mas você vira através dos turvos sumidouros da escuridão.
Nem a noite nem o dia desejam vir, a fim de que eu possa morrer por você e por mim.


Frederico Garcia Lorca

Flores, flores

É sabido que os homens entendem cada vez menos do essencial. Apesar da evolução dos comportamentos, a maioria masculina ainda é totalmente despreparada para a execução dos atos existenciais mais simples. dificilmente um homem consegue , por exemplo, ao longo da vida parar de fazer xixi na tampa do vaso. A verdade é que os homens estão preparados para a política, a guerra, a diplomacia, os negócios, as grandes descobertas científicas e até as viagens espaciais(não que as mulheres não estejam); mas não estão preparados para aquilo que realmente conta, como saber quando não é não ou sim ou como carregar um buquê de flores numa rua movimentada.
O relato a seguir, foi-me contado pelo meu amigo Machado...
"Falo por experiência própria. Fui comprar flores para a Vera. Normalmente a gente manda flores. Faz parte do imaginário romântico. Alguns, porém, tiram um cartão da gaveta e encomendam flores como quem pede uma pizza. Portuguesa ou calabresa? Rosas ou orquídeas? O pior são os enganos: hortênsias em lugar de orquídeas. Outros nem se dão ao trabalho de fazer o pedido pessoalmente. Encarregam a secretária e vão cuidar de coisas que acham mais empolgantes, como a variação da taxa selic.
Asseguro que flores encomendadas por terceiros não tem o mesmo peso. A intuição feminina é fatal. Elas sabem quando o serviço foi terceirizado. Mandar flores é uma arte. Implica todo um ritual. Não se faz bem sem estilo.
Já viram um homem com um buquê de flores na rua? É uma experiência antropológica indescritível. O sujeito anda meio de lado, desconfiado de si mesmo, sentindo-se observado. Os vizinhos que passam por ele sorriem como que dizendo: "vai fazer uma média em casa". Os desconhecidos do século masculino olham com raiva como que denunciando uma traição à categoria. Parecem dizer: "cretino, vai nos obrigar a fazer o mesmo ou a ficar dando explicações". As senhoras idosas suspiram. Os olhos delas brilham com uma velha nova intensidade. As adolescentes ficam espantadas. As mulheres entre 35 e 50 anos quase pedem autógrafo. Algumas chegam a virar-se para olhar melhor como se estivessem diante de um extraterrestre. O próprio portador das flores sente-se chegando de Marte. Há quem fique até um pouco envergonhado ou intimidado.
Andar com um buquê de flores na rua pode ser muito perigoso para um homem. Ele corre o risco de não chegar em casa. Pode ser assassinado pelos colegas de classe. Ou sequestrado por alguma romântica mais radical. Se vacilar, aparecem propostas indecorosas ou até provocações do tipo: "é um cara assim que eu queria ter lá em casa". Garanto que o andar do homem com um buquê de flores na mão se torna diferente. Fica mais macio, cadenciado, sinuoso.
Sugiro para quem está em dificuldades para arranjar namorada que compre um buquê de flores e fique passeando nalgum ponto interessante. O resultado virá certamente: ou o sujeito casa ou as flores murcham. Mas algo acontece.
Quando o cara, superando todos os obstáculos do caminho, entrega as flores, sente-se recompensado pelo sorriso, pelo beijo e pela frase: "não precisava". Infeliz de quem acreditar nisso.